"O mês de maio assinala, em várias partes do mundo, a comemoração do Dia de Santo Ivo, padroeiro dos advogados, cuja missa anual será celebrada, em São Paulo - a mando da Associação dos Advogados de São Paulo -, no dia 19 (terça-feira), na paróquia em honra ao santo.O nome do padroeiro me veio à lembrança porque estamos vivendo um período em que a advocacia surge em destaque no noticiário, pelos motivos mais diversos, dos criminalistas aos especialistas em direitos tributário e comercial.Nas transformações sociais, como as deste momento histórico, sempre há lugar para o aparecimento do advogado no seu exclusivo papel de falar pela cidadania diante do Judiciário - sendo a advocacia por definição constitucional, função essencial para a justiça.O Ministério Público, outra função essencial, também tem membros que falam pela sociedade em casos específicos, mas em circunstâncias que não devem incluir a representação atribuída ao advogado.Pois Santo Ivo (ou Yves) de Chartres foi bispo dessa cidade francesa. Viveu entre 1040 e 1116, considerado o maior especialista em direito canônico do seu tempo.Ivo não foi apenas estudioso das teorias do direito, mas pôs seu saber a serviço dos que dele precisavam numa época em que a Igreja Católica exerceu direta ou indiretamente forte influência sobre governantes. Ivo marcou, pela coragem, um dos papéis preponderantes que se esperam dos advogados: o de não temer o poder constituído, ou imposto. Ivo era de família abonada, o que lhe permitiu tranquilidade no bispado e na advocacia.Há um episódio simbólico de seu destemor. Em um momento de sua vida, era comum que os reis resolvessem trocar de esposa, sob alegações as mais diversas -nenhuma das quais compatível com leis da Igreja quanto à nulidade do matrimônio ou sobre o divórcio.Foi o que aconteceu com Felipe 1º, rei da França. Quis descasar-se de Berta, sua primeira mulher, para desposar a condessa Bertrande D´Anjou. Ivo, sob os sólidos argumentos canônicos, se opôs. Felipe 1º, não conseguindo convencê-lo, ordenou a sua prisão, mas teve de soltá-lo sob a influência do Papa Urbano.Ivo também interveio em muitas outras questões marcadas pela mesma coragem e pelo sentimento de justiça, interferindo como mediador. Tanro que perdoou Felipe 1º e se reconciliou com ele.O leitor, provavelmente, se perguntará como Ivo conseguiu ser, ao mesmo tempo, santo e advogado. A possibilidade da dúvida é natural. Não desmerece a profissão.Falando em nome de seu cliente, defendendo causas justas e injustas, cíveis e criminais, é evidente que o advogado só fala para defendê-lo, sendo grave falha ética se fizer o oposto, se prestar declarações contrárias ao interesse sustentado ou se admitir que o seu representado ofendeu o direito de alguém.Assim é porque todos, do mais honesto ao pior delinquente, têm o direito à ampla defesa. Só nas ditaduras há condenações sem defesa dos inimigos do regime. No mundo civilizado, predomina a aceitação do advogado - conforme se vê no ;Salve Rainha; (católico), ao invocar proteção de Maria, ;advogada nossa;.Santo Ivo, há quase mil anos, mostrou, ainda que por exceção, que é possível ser santo e ser advogado.
WALTER CENEVIVA-ADVOGADO, EX PROFESSOR DA PUC EM SP E AUTOR DE LIVROS.
Nota da Redação: Texto originalmente publicado no site da OAB/PR.Os textos publicados nesta seção refletem apenas a opinião de seus autores e não traduzem, necessariamente, a opinião da COAD. Sua publicação atende aos objetivos de incentivar o debate e divulgar as diversas formas de visão da atualidade.
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